terça-feira, 17 de junho de 2008

"Ex-presidente da autarquia, Fernando Gomes, garante que projecto de Massena ainda é válido"

"O Primeiro de Janeiro" - Eduarda Vasconcelos


O projecto de reabilitação do Mercado do Bolhão da autoria de Joaquim Massena “é válido até deliberação que o anule”. O ex-autarca Fernando Gomes não tem dúvidas de que Rui Rio “desprezou” a vontade dos munícipes de forma pouco democrática, pretendendo transformar o Bolhão num “shopping center”.

O ex-presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, classificou ontem como “lamentável” a atitude do actual executivo de coligação PSD/CDS-PP “em arquivar o projecto [do arquitecto Joaquim Massena para o Mercado do Bolhão] e deitá-lo para o lixo sem dar qualquer satisfação aos cidadãos”. No entender do antigo autarca do PS, o projecto “é válido até deliberação que o anule”.

Ao ser ouvido em audiência pelo deputado socialista na Assembleia da República (AR), Fernando Jesus, responsável encarregue de produzir um relatório que responda à petição entregue em Abril na AR, Fernando Gomes defendeu insistentemente a ideia de que Rui Rio não poderia ter ignorado a existência de um projecto que custou aos cofres públicos cerca de 1,150 milhões de euros e que foi aprovado por unanimidade pelo executivo de então apesar de o PS não ter sequer a maioria.

“A câmara da altura reflectiu muitíssimo”, salientou, referindo que o processo foi primeiro avaliado pela Faculdade de Arquitectura e houve depois um concurso ganho por Joaquim Massena, cujo júri de avaliação era composto pelas principais entidades que deviam pronunciar-se, estando a autarquia em minoria com dois vereadores. O projecto esteve inclusivamente em exposição pública no Mercado Ferreira Borges”, recordou ainda, sustentando que “todo o processo foi transparente e democrático”. “Há um documento aprovado legitimamente pelos cidadãos que continua válido.

Para o anular teria de haver uma desaprovação municipal, mas o que houve foi uma espécie de rejeição tácita e não formal”, criticou.

O ex-edil frisou que o executivo está a ter “uma atitude pouco democrática e de desprezo pelas deliberações municipais”, embora admita que o projecto de Joaquim Massena tivesse de sofrer hoje algumas alterações de reajustamento: “Mas no essencial eu manteria o projecto”, afiançou. Começar do zero, como o que sucedeu, é que “é uma situação que não honra a cidade do Porto e não está na sua tradição”.

Fernando Gomes criticou, assim, que o executivo de Rui Rio tenha voltado a lançar um concurso público e censurou mais ainda que esteja a entregar o Mercado do Bolhão a uma gestão privada. Por aquilo que diz conhecer através dos jornais e das notícias que estes vão relatando, o ex-presidente da autarquia portuense considera que o conceito defendido pela empresa holandesaTramCroNe (TCN) é o de “transformação radical do Bolhão”.

Instado por Fernando Jesus a comentar o facto de o IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico) só ter sido chamado a pronunciar-se numa fase posterior do processo, Gomes garantiu que a sua atitude seria a de “consultar primeiro o Ippar [hoje IGESPAR] para saber que iniciativas se podia tomar” em termos de obras a realizar no edifício.A necessidade de realização de uma intervenção é ponto indiscutível para o ex-autarca sob pena de o mercado se transformar num “fóssil”. No entanto, Fernando Gomes diz discordar do conceito da TCN que “parece que quer fazer ali um shopping center”. “O que nós aprovamos foi a manutenção do mercado tradicional como espaço central e tudo o resto seria periférico”, adiantou, acrescentando que “também nunca foi equacionado pela câmara da altura qualquer privatização”, ao contrário do que chegou a afirmar, também em audiência, o ex-vereador com o pelouro dos mercados, Oliveira Martins. Fernando Gomes realçou que a única coisa que se ponderou criar foi uma empresa municipal que ficasse responsável pela gestão dos mercados, pois não tem por “legítimo o caminho da privatização”.

O responsável diz reconhecer a utilidade dos privados em muitos processos, mas, frisou, “neste caso a componente não deve ser hegemónica”.

Financiamento

O investimento estimado na década de 90 do século passado com base no projecto do arquitecto Joaquim Massena ascendia, na moeda daquela época, a 2, 5 milhões de euros. Fernando Gomes lembrou que a autarquia queria aproveitar os fundos comunitários e sempre teve por entendimento que o investimento inicial seria sempre a fundo perdido, isto é, não recuperável.

“A preocupação era depois que não houvesse despesas”, destacou, avançando ainda que a Expo 98, em Lisboa, acabou por trocar as voltas à autarquia pois absorveu a grande maioria dos fundos do Quadro Comunitário de Apoio de 1998. Fernando Gomes lamenta, porém, que depois não se tivesse aproveitado as verbas do quadro comunitário seguinte. O ex-autarca diz mesmo que foi um “erro” esta decisão de não se avançar com uma candidatura.

Audições
As audiências sobre o processo do Bolhão encontram-se numa fase de conclusão, após a audiência de ontem com Fernando Gomes. O deputado Fernando Jesus afirmou que agora apenas irá ouvir de novo o IGESPAR e a Câmara do Porto, na pessoa do vereador do Urbanismo, Lino Ferreira.
“O IGESPAR tem de definir a sua posição”, frisou, lembrando que na primeira audiência a arquitecta Paula Silva admitiu que o instituto ainda não conhecia qualquer projecto da TCN, mas apenas intenções.

Após ouvir estas duas entidades, Fernando Jesus considera-se pronto e preparado para redigir o relatório final que será depois levado à Assembleia da República para análise no âmbito da petição já entregue. Recorde-se que o deputado já auscultou também o arquitecto autor do projecto de 1998, Joaquim Massena, os próprios comerciantes do interior e exterior do mercado, o presidente da Associação de Comerciantes do mercado, Alcino Sousa, a presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Laura Rodrigues, a TCN e a Ordem dos Arquitectos.

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