segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O Bolhão http://www.porto.taf.net/dp/node/3501

"Sábado de manhã, fui ao Mercado. Para perceber determinadas coisas há que ir aos sítios, há que vê-los, compreendê-los. Quantas pessoas que por aí escrevem sobre o Bolhão foram lá nos últimos tempos? Meses? Anos? Talvez nem na Baixa vivam, raramente aqui vêm. É indiscutível que o Mercado perdeu muita da sua dinâmica, há mais concorrência, e sobretudo, vive menos gente pela Baixa. Mas ele subsiste quase implacavelmente, subsistem aqueles que aqui vêm. O incrível não é que ainda há pessoas que vão ao Bolhão, mas sim, que apesar do estado de abandono a que foi votado o edifício, continue afluir gente ao mercado. Isso é o incrível. E está cheio! Mas desenganem-se, não são apenas velhos, há gente nova (como eu, que por aqui vivem agora), há turistas de máquina fotográfica e de sorriso estampado, há gente carregada de sacos. Há flores, fruta, peixe (e tanta diversidade), carne, pão, bom pão, uma variedade de produtos regionais que em nenhum outro sítio do Porto existe. O mercado é um elogio aos sentidos, um lugar absolutamente único. Em quantos sítios da Europa temos ainda a oportunidade de deambular por uma estrutura desta dimensão, com esta vida, com esta oferta de produtos, de cores, de cheiros, de sons? Está tudo lá, enquadrado magnficamente pela arquitectura do Marques da Silva. Mesmo assim abandonado, apoiado por andaimes, mantém o seu semblante de grandeza e dignidade.
Não me venham é dizer que a solução para tudo são shoppings, três no mesmo km2, é demais. Aprendamos com os erros dos outros. Nos anos 80 e 90, muitos mercados foram fechados por essa Europa fora e substituídos por shoppings. O Les Halles em Paris, é um exemplo, de muitos, de um projecto falhado que hoje espera uma solução.
A solução do Bolhão já lá está! O que é o Bolhão senão um imenso mercado de produtos como se diz agora "biológicos", regionais, naturais, único. Ponha-se também comércio relacionado com produtos regionais e de artesanato (tantas feiras de artesanato que por aí se fazem), de vinhos (Vinho do Porto), de gourmet, pequenos restaurantes específicos com belas esplanadas lá dentro, de pequenas lojas vocacionadas para turistas. Manter essa aura específica e atraente do Bolhão mas dotá-lo de novas valências que atraiam um novo público é isso que o Mercado precisa. Transformá-lo em shopping pode ser a solução mais rentável directamente, mas imaginem as possibilidade que se perdem. Valerá a pena? Qualquer turista irá franzir o olho quando lhe disserem que o mercado vai ser um shopping, que vai ter uma cobertura, mais um piso intermédio, dois maravilhosos pisos de estacionamento (mais carros para a cidade) que o cheiro das especiarias e das flores que ainda subsiste pelo ar vai ser substituído pelo odor apetitoso de um hamburguer com batatas.
*Pedro Bismarck [
opozine]
PS. Relativamente ao
site da TramCrone. Quando se estuda arquitectura é-nos ensinado a ler nas imagens os conceitos, a compreender nas apresentações as ideias que estão por trás. O site da TCN (e aconselho talvez a ver outros sites de arquitectos e outras empresas para perceber a diferença) para além das questões de gosto, não mostra nada, não explica o projecto, apresenta três ideias banais, com umas imagens e uns esquemas que já serviram para mil um projectos. A questão é que a TCN promove empreendimentos novos para áreas periféricas e o Bolhão não é um projecto novo, é uma reabilitação."

- Pedro Bismarck - http://www.porto.taf.net/dp/node/3501

3 comentários:

Arq. Luís Marques da silva disse...

A defesa do património construido tem sido ao longo da minha vida, uma luta constante; não sou dos que entendem que tudo se deve sacrificar aos novos interesses emergentes, sacrificando-se irremediavelmente a memória do passado.
Estou portanto solidário com este vosso acto de cidadania, desejando que a intervação no mercado do Bolhão seja um acto de coerência, de sustentabilidade e de dignidade, permitindo manter em harmonia, as valências socio-humanas e arquitectònicas daquele daquele espaço e, mais importante, daquela zona da cidade.
Bem hajam.

Luis Marques da Silva,arquitecto

Tiago Sousa Dias disse...

O Concelho do Porto é uma marca. O vinho, os clérigos, a ponte... o Bolhão.
A acontecer a demolição do edificio, não surge o problema da criação de um novo espaço comercial, que, já agora, ficaria a 50 metros de um e a 100 metros de outro... Não é esse o problema. Talvez até seja bom para o afluxo da Baixa, pois se é com shoppings que as pessoas são atraídas, construam lá os shoppings. Mas o problema... não é esse. Também não será concerteza pela beleza do Edificio. Este é bonit, lindo; o que lhe virá não será menos concerteza. Mas o problema não é este. O problema é que se matarem o edificio... o Porto fica sem O Bolhão como ficaria sem a Ponte, como ficaria sem os Clérigos. O mercado do Bolhão não é um edificio, é uma fonte de cultura do concelho. Não é só o sitio onde se vende umas especialidades de mercearia, é o sítio das NOSSAS "peixeiras do Bolhão". O Bolhão não pode ser substituído por um espaço comercial igual, porque o Bolhão não é um espaço comercial mais do que um espaço cultural, um landmark. Alia ficará uma lágrima do Porto se for demolido.
Presidente de Núcleo do PSD de Santo Ildefonso

RITMO disse...

Meus caros amigos: o edifício do Bolhão é uma jóia arquitectónica que me atrevo a considerar não apenas portuguesa mas europeia. O que interessa mais no bolhão nem sequer é a linguagem da fachada mas o modo como conforma um importante e central quarteirão da cidade, como abriga no tecido urbano um equipamento que lhe poderia ser estranho, e ainda a riqueza espacial interior. O Jogo arquitectónico e volumétrico dos telhados é a meu ver, provavelmente, único, e não é nem fortuito nem casual: é intencional, foi projectado assim para obter aquele efeito.

Só uma enorme miopia Política, miopia Cultural e miopia Arquitectónica pode imaginar que o Bolhão possa ser intervencionado para se modernizar às mãos de uma qualquer operação fundamentalmente especulativa e mercantil. Este mercado deve ser hoje tratado como tratamos outros Monumentos, que é o que ele é. A sua modernização é possível mas obriga à manutenção do modelo de negócio centrado na ideia de mercado "ao vivo e a cores" que longe de estar ultrapassada faz as alegrias de viver numa cidade como por exemplo Barcelona — onde o mercado da Boqueria, nas Ramblas, tão simbólico como o Bolhão, e o mercado de Sto. Antoni proporcionam aos habitantes da cidade alimentos e animação fresca todos os dias. Os mercados são também mais democráticos do que as grandes e médias superfícies, pois que os seus vendedores, muitos, e não poucos, são quem, mediante um pagamento à edilidade, beneficiam dos lucros da venda. Permite por isso uma redistribuição da riqueza e do capital que as mega, hiper, super e médias superfícies, centradas numa só entidade exploradora do negócio, não permitem. Os mercados são por essa Europa civilizada fora, um lugar de forte pulsar dos ritmos urbanos e de vivência alternativa da Modernidade. Quem me dera a mim que houvesse mais, limpos, higiénicos, cumpridores das normas de higiene e saúde pública … mas Mercados — como os de toda a vida.

Quanto à Miopia Política do actual presidente da câmara, ela não só fica bem patente como obriga a sérias considerações e reflexões por parte daqueles que acreditaram que este cidadão portuense era capaz de reger política e administrativamente a sua, deles, Cidade.

O que se segue a seguir? Privatizar os Aliados ou a Ribeira, como fizeram na marginal de Gaia, transformar um espaço público em mais um espaço mercantil privado… ? Cobrir a Praça de Lisboa, aos Clérigos, acabar com a praça do café Piolho? O porto tem vindo a perder habitabilidade e qualidade de vida de forma imparável de há uns bons 25 anos para cá. Está na hora de abrirmos os Olhos!

Um só pedido aos caros concidadãos do Porto, nesta questão: cacem mais moscas com Mel do que com Fel. Esta questão não deve ser simbólica ou partidária, não deve ser radical nem partisan. Não dividam os cidadãos, mas unam-nos. Trata-se tão somente de resgatar o Bolhão da absoluta falta de entendimento e sensatez que a nossa pobre, miserável, classe política local e nacional, demonstra ter.

PS: Porque não se cria um movimento «Cidadãos pelo Porto», como se fez em Lisboa? Uma «União dos Cidadãos» pela cidade? Resultou!

Pedro Barreto, Arquitecto, Docente de História da Arquitectura na Universidade Católica Portuguesa e ex-divulgador de Arquitectura no jornal Público (1999-2002)