domingo, 18 de maio de 2008

"A Cidade e o Bolhão"

Artigo de Rio Fernandes - Geógrafo
1.Escalas

A cidade já não é que era, dizem-nos. E afinal sempre assim foi, ou seja, está sempre a passar a ser o que não era antes!

Dos resultados de um processo de suburbanização recente que, por tardio, foi mais acelerado e desregulado, salienta-se o duplo vazio no "velho centro", com prédios desocupados a cair e na "cidade nova", com andares à venda e edifícios há anos por acabar (em Valongo, como Rio Tinto, ou Oliveira do Douro).

O que é que isto tem a ver com o Bolhão? Quase tudo! Desde logo, porque nesta cidade alargada e de vários centros, o mercado deixou de ser central e de servir os muitos que estavam dependentes da Baixa do Porto " para a maioria das suas compras e serviços. Além disso, a intermediação entre o campo e a cidade deixou de se fazer na área central, assim como em estabelecimentos de mercearia, talho ou peixaria, e passou no essencial para a envolvente, em hipermercados e discounts espalhados por toda a cidade alargada, de preferência junto aos nós viários e às áreas mais populosas (de resto como já tinha acontecido com as feiras nos séculos XVIII e XIX, junto às portas da muralha e às principais estradas de ligação).

2. Tempos

A cidade é um depósito vivo de várias épocas, das suas formas e dos seus usos, num mix em cada caso único, feito em cada momento de diversas persistências e emergências. Infelizmente, gasta-se demasiado em "tapetes da sala de estar", ou seja, nos pavimentos das praças de recepção e aparato (assim como no seu mobiliário, dito urbano), bem mais do que em praças de estar, nos espaços onde residimos, ou nos locais onde trabalhamos e consumimos (estabelecimentos, mercados, ou espaços empresariais).

No mix do Porto, é desigual a importância de diferentes épocas, ressaltando a grandiosidade do Porto do século XVIII, com o barroco de Nazoni e o notável esforço regularizador de João de Almada (continuado pelo seu filho). Os finais do século XIX e os primeiros anos do século XX foram outro momento alto da cidade, com a emergência e triunfo da Baixa (à cota alta face à Ribeira e S. Domingos) como centro novo e único, dele e da cidade passando a fazer parte elementos tão essenciais e intocáveis na compreensão e identidade, como a Torre dos Clérigos ou a Igreja da Misericórdia o são para o barroco do século XVIII. É o caso da Estação de São Bento, do Mercado do Bolhão e da (já infelizmente alterada, sobretudo (re)atapetada) Avenida dos Aliados.

Neste espaço e no nosso tempo encontrar o futuro não será reencontrar o passado. No entanto, desistir da conservação e reutilização é desistir de alguma forma desistir dar futuro ao passado. E isso é grave para a memória da cidade, como para a memória que cada um tem da (sua) cidade. Ora o Bolhão é único e tem marca registada, reconhecida em todo o país e desde logo pela generalidade dos cidadãos da cidade expandida e plurimunicipal.

3. Atitudes

A dita "livre iniciativa", ou os "agentes privados de desenvolvimento", estão associados a uma "natural" e já muito estudada - e demonstrada - tendência para o aumento das diferenças, por vezes acentuadas sobre o território também por acções políticas, como na lamentável diferença entre Este e Oeste, com o Polis (atlântico), nos parques urbanos (de que há apenas o ocidental), ou na requalificação da marginal (só da Ponte da Luís até à Foz). Nada há contra o mercado, nem contra o Estado o que parece que falta é bom investimento privado, empreendedor e produtor de riqueza para a sociedade, e bom Estado, que saiba gerir o que é seu e saiba regular o mercado, sem se demitir, nem se misturar senão com regras claras.

Por sua vez, os utilizadores da cidade vivem cada vez mais em "ilhas urbanas" (leia-se condomínios fechados, bairros sociais, campus universitários, ou futuros quarteirões gentrificados da Baixa) e usam nas deslocações cada vez mais os "tubos" (VCI, A3, IC1, ou metro), numa crescente oposição entre espaço público e privado, de acordo com um processo marcado por uma crescente privatização do espaço de uso colectivo. Mas, se o Estado somos nós seremos nós incapazes de construir e gerir a cidade? Parece que sim, pelo menos no caso do Bolhão (e do Palácio do Freixo? e do Mercado Ferreira Borges? e do Palácio de Cristal e do?

4. Conclusões

Reutizar um elemento essencial de um espaço e de uma época, muito importantes na cidade, obriga a procurar manter a fidelidade da forma e da função. Ao contrário, alterar o Mercado do Bolhão, demolindo-o para voltar a construí-lo com estacionamento e parte central alteada, ou esventrando-o para criar mais pisos de comércio ou habitação, é sem dúvida contribuir para o empobrecimento e estandardização da cidade.

Manter o Bolhão sem "ashoppinzamentos" é, afinal, um exercício de mero bom senso, bastando saber aprender com os outros, seja com os seus erros (aconselha-se à Câmara e à Tramcorne uma visita ao que existe em Paris no lugar do mercado Les Halles e cuja demolição hoje se discute) e nos seus sucessos (veja-se o Mercado da Boqueria, em Barcelona, ou o mercado central de Frankfurt). Porque o Bolhão que temos, como mercado, faz falta ao Porto para criar uma nova relação da cidade com o campo (com produtos biológicos ou certificados, por exemplo); para apoiar a ocupação residencial da Baixa (que ainda se pretende, certo? E que precisa de comprar alimentos, certo?) e porventura mais ainda, para o desenvolvimento do turismo, já que os visitantes procuram emoções e atmosferas diferenciadoras e não tanto os espaços comerciais estandardizados.

Enfim, haja esperança que todos - e sobretudo os eleitos - considerem as lições da história da cidade e os efeitos de intervenções de vário tipo em casos idênticos e tenham bom-senso, tendo em vista as escalas e os tempos do Bolhão na Baixa; no concelho do Porto; na cidade de 750.000 habitantes num espaço com raio de 8km; no Norte e como imóvel de interesse nacional e alcance no turismo internacional, presente na memória dos mais velhos, na percepção dos mais novos e importante também na consideração daquilo que pensarão os que estão para nascer sobre o que hoje lhe fizermos.

1 comentário:

Anónimo disse...

a matilha considera-se uma Matrix... valha-me...

http://www.tcnpp.com/pt/pt/how_we_work/matrix.html