segunda-feira, 17 de março de 2008

Entrevista ao arquitecto Joaquim Massena (P.Janeiro)

Joaquim Massena, arquitecto autor do projecto de reabilitação do Mercado do Bolhão, encomendado em 1998 pela C.M.Porto, em entrevista ao P.Janeiro:

(fotogr. retirada do artigo)

Porque que é que é tão necessário proceder a uma intervenção no Mercado do Bolhão?
Mercado do Bolhão tem, neste momento, alguns problemas construtivos. Há anomalias na estrutura, que são conhecidas desde, creio eu, 1987. E também não tem as condições necessárias para o uso que está a ter. É preciso reparar sob o ponto de vista das infra-estruturas. Isto é fundamental. Naturalmente que é também fundamental preservar o património humano e arquitectónico. A intervenção que vier a ser feita aqui tem que ser quase como quando alguém está a mexer numa porcelana de grande valor. É preciso ter muito cuidado e não se pode ter uma atitude bruta.

O seu projecto que em 1998 foi aprovado pela Câmara do Porto e pelo então IPPAR, ia nesse sentido?
Em 1996 o Mercado do Bolhão ainda não era um edifício classificado, estava em vias de classificação. E embora não fosse classificado, a minha preocupação já ia no sentido da preservação do património.

O facto de ter feito um projecto de reabilitação para o Mercado do Bolhão não lhe tira objectividade quando aborda o assunto?

Não, não tira. Como calcula eu falo de arquitectura, e a arquitectura é tudo. É reabilitação, é urbanismo, é economia, é estrutura, é tudo. Por isso, quando penso em arquitectura estou a pensar em tudo. É perfeitamente absurdo que alguém pense que quando se fala de arquitectura se está a falar de uma coisa abstracta. Não! Pensar na arquitectura é pensar na vida.

Em relação ao seu projecto. Foi aberto um concurso público pela Câmara do Porto e o seu projecto ganhou. Naturalmente que havia uma série de preceitos que teve que respeitar. A defesa do património foi um deles?
A defesa de alguns elementos patrimoniais. O edifício não estava classificado.
Mas mesmo sem estar classificado, a câmara, na altura, já tinha preocupações com o património?
Sim, já tinha algumas preocupações. Vou-lhe explicar. Tínhamos um valor para gastos estimados nas obras de cerca de quatro milhões de contos. Quando vim para o local fiz uma série de testes e análises. Foi um trabalho saturado e que envolveu uma equipa muito grande, que fez avaliações do betão, do ferro, do reboco, do subsolo e da estrutura. A preocupação de defesa do património reduziu o orçamento em quase um milhão e meio de contos. A câmara queria que se fizessem três caves, nós só projectamos duas porque achamos que a terceira iria fragilizar a estrutura. Tínhamos uma determinada área para as caves e tivemos que a reduzir porque senão fragilizava todo o imóvel. Enfim, são aspectos com os quais tivemos muito cuidado, sempre com a preocupação de não descaracterizar o mercado. Temos cerca de 18 mil metros quadrados de mercado. Com um orçamento de 2,5 milhões de contos sai a cento e poucos contos o metro quadrado. Quer dizer que é muito barato. E isto acontece porque não existe demolição. Não me podem dizer que o meu projecto não é economicamente viável.

E porque é que o seu projecto não foi para a frente? Porque a câmara não tem dinheiro?
Não, não acredito nisso. A câmara tem um orçamento tão grande… repare, esta seria uma obra de dois anos, o que quer dizer que, na pior das hipóteses, a câmara iria gastar 1,5 milhões de contos por ano. Sendo que o rendimento do mercado está garantido porque a câmara tem rendas garantidas. Atendendo à garantia que há da renda privada, a câmara recuperava o investimento em 30 anos…

Acredita que o Bolhão vai ser demolido?
Totalmente demolido! A única coisa que vai ficar são as paredes interiores. Depois, vão ser construídos um conjunto de pisos intermédios e lá em cima uma cobertura. A fachada vai ser demolida, não tenhamos ilusões. Para falar de património é preciso ter muito respeito.

Qual é, concretamente, a importância patrimonial do Bolhão?
É a mesma, por exemplo, da Assembleia da República. O hemiciclo, onde estão os deputados, tem um pé direito muito alto. Era mais rentável fazer uma série de pisos. E não se fazem porque? Porque se perde património. O património é todo aquele conjunto e o que ele representa sob o ponto de vista humano, para as gerações presentes e para as futuras. Que nos fornece um conjunto de imagens e de passagens que nos permitem continuar a dizer que temos identidade. Quando falamos de património estamos a falar de valores que não são mensuráveis em euros.O Bolhão foi um edifício que andou 30 ou 40 anos à frente do seu tempo. Na altura, o comércio era feito na rua. O arquitecto Correia da Silva, autor do projecto do Bolhão, esteve a cursar em França e trouxe para cá este modelo. O Bolhão é um mercado neo-clássico monumental, que tem uma linguagem arquitectónica muito característica, que usa o betão e o ferro. O arquitecto pensou ainda noutra coisa. Estávamos no período áureo da indústria e era preciso escoar os produtos industriais. É assim que aparecem as lojas exteriores, e este mercado é inovador também por isso.

Acha que o projecto da TCN não teve o património em conta.
Não, não teve. Eu mal vi o projecto, ou aquilo que foi dado a conhecer, percebi que se tratava de uma coisa violentíssima. Aquilo é uma obra de fachadismo e mesmo o fachadismo vai ter que ir abaixo. Vai ser uma obra muito onerosa e vão dizer que é mais barato demolir e voltar a construir. Só que a originalidade acabou porque a originalidade não vê pela numeração das pedras, vê-se por tudo.

Se é possível fazer uma obra de reabilitação salvaguardando o património por que é que acha que fizeram o projecto desta maneira?
Dá mais dinheiro. Repare, 50 milhões de euros é diferente de 12, 5 milhões. Se fizermos uma conta simplista é fácil verificar. Cinquenta milhões de euros a 10 por cento dá um valor, 12, 5 milhões a 10 por cento dá outro. Logo, é mais favorável, do ponto de vista do negócio, que tenha muita obra. Por que é que há especulação imobiliária? O projecto que eu desenvolvi é rentável sob o ponto de vista económico. O Bolhão dá 380 mil euros por ano actualmente, mesmo com esta confusão…

A lei que protege o património edificado é muito clara quando diz que nada pode ser alterado ou modificado. Acha que o projecto da TCN vai ser chumbado no Igespar?
Eu acho que o Igespar tem um capital humano magnífico. As pessoas que lá estão são extraordinariamente conhecedoras. Não creio que, das pessoas que conheço, por força do trabalho que tenho desenvolvido na área do restauro, que o Igespar aprove esta situação porque ela violenta qualquer um.

Acha que um mercado de frescos tão grande como o Bolhão continua a fazer sentido?
Acima de tudo temos cá dois aspectos que temos que cuidar. Perceber que a qualidade do alimento é, e vai continuar a ser, uma preocupação. E é em locais como este que se vende o alimento de qualidade. Se o mercado fosse reabilitado, mantendo as suas características, o número de comerciantes aumentava. O projecto que eu fiz é para 440 comerciantes. Actualmente são 170. Eu criei aqui no Bolhão espaço de exposição, de encontros, e para espaços âncora que promovam a indústria.

Como é que acha que vai acabar este processo?
Acho que vai acabar bem. Sabe, eu sou um homem de esperança…

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