sexta-feira, 14 de março de 2008

"Só a verdade serve"

Na passada terça-feira, o Rivoli foi palco da "apresentação do projecto do "futuro" Mercado do Bolhão". A sessão foi patrocinada pela Associação dos Comerciantes do Mercado do Bolhão que a considerou "de carácter urgente". E tinha razão, porque, olhando para a "ordem de trabalhos" ficava-se com a sensação de que já devia ter sido urgente há muito tempo! E, sobre isso, muito haveria a dizer mas porque só pude assistir à parte da reunião que se referia ao dito "projecto" e por manifesta falta de espaço neste Passeio Público, cingir-me-ei apenas à apresentação do mesmo que foi feita pelo seu autor, arquitecto americano a trabalhar na Holanda.

De tudo quanto vi e ouvi, retirei, no essencial, o seguinte se me tivessem apresentado o "projecto", como o de um edifício a construir no local onde actualmente existe o Mercado do Bolhão para nele instalar mais um "outro mercado", eu diria que tinha muitas dúvidas quanto à vantagem para a cidade de uma iniciativa deste tipo, neste exacto momento e naquele mesmo local, mas também diria que as dúvidas seriam extensíveis à qualidade do projecto, rudimentarmente apresentado pelo seu autor.

Acontece, no entanto que o Mercado do Bolhão não é um edifício qualquer e, muito menos, um espaço devoluto. O que ainda lá está, goste-se ou não, é só um dos lugares mais emblemáticos da cidade e uma das imagens que melhor condensa e representa o seu espírito e as suas tão singulares vivências. De tal forma assim é que, para além do evidente reconhecimento colectivo daquele tão emblemático "lugar" como património de toda uma região, foi o próprio Ministério da Cultura que através dos seus órgãos próprios (IPPAR/IGESPAR), que também o reconheceu como "Imóvel de Interesse Público" e, por isso o classificou.

Mas, nada disto foi tido em consideração na apresentação do chamado "projecto" do "futuro Mercado". Desde logo, porque o seu autor se limitou a dizer (e, mesmo assim, de forma muito sumária) o que ia fazer, omitindo, em absoluto, o facto de o fazer num edifício existente, com uma vivência específica e que, por isso mesmo, está classificado e protegido. Tal condição, não lhe mereceu, de facto, qualquer consideração e, muito menos, qualquer justificação sobre o que, do seu ponto de vista, tinha (ou não) carácter patrimonial. Do ponto de vista disciplinar ou seja, do ponto de vista estritamente arquitectónico, o autor sabe, certamente, quão importante é equacionar (bem) os "problemas" para que, depois, se possam compreender as (boas) "soluções"! Mas, o que não foi claro no discurso, está bem claro nos desenhos que são (felizmente) uma linguagem universal que não precisa de tradução.

Então, a conclusão é simples o Bolhão não vale mais do que as suas quatro paredes exteriores (as fachadas?) porque, de tudo o que lá está hoje seria o que iria restar no "futuro", se para tanto houvesse engenho e arte e… orçamento! É que, manter em pé as tais quatro paredes que são, afinal, o que permite à TCN e à CMP dizer que o "Bolhão não vai ser demolido" e ao arquitecto/autor dizer que "o edifício vai ser respeitado", não é tarefa, nem simples, nem rápida, nem barata! É certo que o arquitecto americano da TCN falou em inglês da Holanda com tradução para português de Portugal pelo Senhor engenheiro da TCN mas ninguém acreditará que o problema seja uma mera questão de tradução! O que está em causa é outra coisa e essa é, no essencial, a verdade, que não é uma simples questão de "tradução".

A questão é que a cidade não dorme e, sobretudo, ainda não morreu! De contrário, já o Bolhão estaria, de facto, morto e a desaparecer por trás daquelas quatro paredes transformadas em mausoléu e dentro dele, uma boa parte da alma da cidade! Só que a cidade parece recusar deixar-se matar assim!

Manuel Correia Fernandes, arquitecto

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